RPG Não é Sobre Contar Histórias

Arte por Wizard of Barge.

Ao pesquisar sobre a definição de RPG, é muito provável que você chegue à descrição de que ele é "um jogo de contar histórias" e que um bom Mestre de Jogo é um "grande contador de histórias". Seguindo essas ideias, muitas pessoas sentem a necessidade de preparar histórias grandiosas, como se estivessem escrevendo livros de fantasia ou alta literatura, ou pior, se sentem inseguras por não se acharem boas o suficiente. Com isso, algumas conclusões controversas sobre o jogo podem nascer dessa conceituação de RPG, conceituação essa, aliás, que eu não concordo. Porque RPG não é sobre contar histórias.

Para o melhor entendimento do que estou falando, é interessante definir o que exatamente quero dizer com a palavra "história". História, de forma sucinta, é uma sequência de eventos contada de determinada forma e em determinada ordem. Sendo assim, se eu digo que, sei lá, "joguei uma bolinha para o meu cachorro brincar, ele pegou a bola, me devolveu e depois eu joguei a bolinha de novo", eu estou contando uma sequência de eventos em uma ordem determinada, uma história.

É claro que o ato de jogar RPG acaba produzindo uma história, mas, se você parar para pensar, qualquer coisa pode produzir uma história. Se você conversar com um pescador, com certeza vai encontrar uma ótima história de pescaria, mas ele não pesca com intuito de criar uma história, ela surge naturalmente. Ele pesca porque quer fisgar peixes, favorecer a saúde, relaxar.

O RPG surge de um constante diálogo entre os participantes, onde a Mestra apresenta um cenário ou situação e a Jogadora interage com isso. A Mestra, então, apresenta as consequências das ações tomadas e a Jogadora responde mais uma vez. A partir dessa conversa nasce uma descrição de uma sequência de eventos, ou seja, uma narrativa (não confundir com história que é simplesmente a sequência de eventos em si). A narrativa emerge como consequência dos jogadores interpretando seus personagens e interagindo dentro desse mundo imaginário. Essa interação nasce de uma situação-problema, um conflito. Talvez a situação seja um grupo de goblins atacando uma caravana, talvez seja um mistério envolvendo pistas e investigação ou qualquer que seja a premissa de sua aventura.

Por isso, pessoalmente, gosto de definir RPG como um jogo sobre interpretar um personagem e enfrentar problemas. História é apenas a consequência das ações tomadas na aventura. Quando se tem isso em mente, os participantes, e principalmente a Mestra, ganham muito mais liberdade, pois não precisam se prender a um rumo de história, a trama não precisa ser previamente preparada. Ao focar nas situações-problemas e nos cenários, fica muito mais fácil preparar uma aventura e ter em mente o que fazer para manter o jogo rolando.

Entenda aqui que, ao falar em cenário, estou me referindo ao histórico por trás de uma aventura — os eventos que levaram à situação-problema central. De certa forma, você poderia dizer, sim, a "história" por trás da aventura.

Abraçar essa abordagem de jogo exige mais improviso por parte do Mestre, mas isso pode gerar impactos bastante positivos, pois, à partir daí, ele passa a jogar junto dos jogadores, se surpreendendo junto deles com os eventos que se desenrolarem. Com isso, várias ideias podem se desenvolver do grupo como um todo, Mestre e Jogadores. Sob uma perspectiva geral, um jogo que não fique preso à ideia de ativamente criar uma história dá mais espaço para que as decisões dos jogadores impactem de verdade os rumos da aventura. E uma das coisas mais importantes num RPG é a agência, a capacidade dos participantes agirem de forma autônoma, tomando decisões e influenciando os acontecimentos da narrativa.

A discussão sobre o RPG e o Storytelling (o ato de contar uma história) é uma ótima maneira de induzir reflexões sobre o jogo, pois o modo de experienciar a narrativa é muito particular e único, totalmente diferente de um livro, filme ou mesmo videogame. Para mim, entender como utilizar essa forma particular de narrativa é o verdadeiro segredo para rolar um bom jogo. E, sim, render uma ótima história para contar depois.

Referências

The Personal Experience of Narratives in Role-Playing Games

MM&D - A Response to "DMing is Not Storytelling"

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